Hoje atendi uma senhorita de 30 anos com uma história bastante comum presente no consultório dos ortopedistas. Ela se queixava de dores nas costas, desde a região dorsal (meio das costas), passando pela lombar e com irradiação para a coxa direita. A dor já vinha lhe incomodando há mais de 1 ano mas tinha piorado no último mês. Também se queixava de desconforto no joelho. Com este quadro, de imediato já pensamos num problema mecânico na coluna , com irritação do nervo ciático ( irradiação para as pernas ) . Pergunto sobre a sua rotina diária: mora no ABC paulista, acorda às 6h, pega o transporte para o centro de São Paulo e chega ao serviço às 8h. Durante seu expediente, fica sentada na frente do computador na maior parte do tempo. Trabalha até as 17, 18h e depois retorna para a sua casa, chegando por volta das 20h, quando trânsito ajuda! Tem um tempinho para as crianças, para o marido talvez, e o outro dia já está começando . Final de semana reserva para as coisas de casa e um pouquinho para os pequenos. São histórias parecidas como esta que ouvimos muitas e muitas vezes dos nossos pacientes. A vida moderna não está nada fácil nos grandes centros. Estamos escravos do trabalho e parece que vivemos para trabalhar e não que trabalhamos para viver.
Faço o exame físico, percebo que a paciente está gordinha (pesa 78 kg, há um ano pesava 71, o que dá um ganho de 10%). As dores na musculatura paravertebral ( ao lado da coluna, que ajuda a sustentá-la) estão presentes, mas sem nenhuma gravidade maior. A falta de flexibilidade também me chama a atenção. O joelho apresenta uma crepitação, faz um crec-crec, parecendo faltar lubrificação. Complemento com exames de raio-x simples. Eles me mostram uma pequena escoliose ,que a paciente já dissera possuir desde os 15 anos. Nada significativo, nada grave. Caso solucionado: lombalgia mecânica, com irritação do nervo ciático, condropatia (inflamação da cartilagem) do joelho. Se o diagnóstico foi fácil, a resolução do problema parece mais difícil. Prescrevi inicialmente uma medicação anti-inflamatória e algumas sessões de fisioterapia. A tomada do remédio e o alívio imediato da dor são a parte mais simples do tratamento. A realização da fisioterapia é factível, é um pouco chata de realizar, mas também pode ser cumprida pela maioria dos pacientes. Mas o resto do tratamento, que considero mais importante, é difícil de ser realizado, exigindo paciência, dedicação, perseverança e ….TEMPO .
Para resolvermos o problema da coluna, teremos que trabalhar alguns conceitos importantes:
1) perda de peso: o sobrepeso é causa importante de dor na coluna e de dor nos joelhos. Para perder peso, não existe fórmula simples, quem a descobrir ficará rico. A dupla exercício-dieta ajuda muito na perda de peso, mas como fazer isso trabalhando o dia inteiro, comendo fora de casa , não tendo tempo para se exercitar?
2) exercícios: além de ajudar a perder peso, os exercícios de alongamento e fortalecimento da musculatura da região lombar, abdominal, glúteos e membros inferiores garantem uma proteção para a coluna como um todo, diminuindo a ocorrência de problemas nos discos intervertebrais, nos nervos paravertebrais e nas articulações da coluna e da coluna com a bacia. Mas como fazer os exercícios, como conciliar sua realização com esta rotina maluca a que estamos submetidos ? Difícil de dizer …
3) ergonomia: como ficamos muito tempo sentados na frente do computador, é importante que fiquemos bem acomodados, já que vícios posturais podem agravar problemas da coluna lombar. Assim, uma cadeira confortável, uma boa mesa, um telefone adequadamente posicionado contribuem para tornar o dia menos desgastante.
Enfim, o cenário parece meio desanimador . O que penso, na verdade , é que a nossa cidade (e sociedade) está (ão) doente (s) e seus moradores obviamente sofrem as consequências desta desorganização social. A qualidade de vida das pessoas está deteriorada e um longo trabalho de reorganização social terá que ser desenvolvido para um resolvermos os problemas físicos dos pacientes – moradores da nossa metrópole.
Atualização: ontem escrevi este post, hoje li na Folha uma interessante entrevista de um pensador italiano, na qual ele pondera:
TEORIA…
Hoje, a força de trabalho é composta apenas por um terço de operários, outro terço de trabalhadores intelectuais em funções executivas (bancário, recepcionista etc.) e um último terço de funcionários com atividades criativas (jornalista, profissional liberal, cientista etc). Se o trabalho for repetitivo, cansativo, chato, de subordinação, reduz-se a uma escravidão, a uma tortura, a um castigo bíblico. Nesse caso, a única defesa consiste em trabalhar o menos possível, pelo menor número de anos possível. Mas se, em vez disso, for uma atividade intelectual e criativa –que corresponde à nossa vocação e ao nosso profissionalismo–, então ocupa toda nossa inteligência e satisfaz nossas necessidades de auto-realização. Nesse caso confunde-se o trabalho com o estudo e com o lazer, transformando o trabalho em ócio criativo. Na vida pós-industrial, organizada para produzir principalmente ideias, não existe trabalho e não existe horário. Existe apenas ócio criativo, que dura 24 horas, mesmo quando se dorme e se produz ideias sonhando.
…E PRÁTICA
As empresas ainda não se deram conta deste novo momento global. A oferta de trabalho diminui e a procura por trabalho cresce, mas as empresas não reduzem a carga horária. Poderíamos trabalhar todos e pouco, mas alguns trabalham dez horas por dia enquanto seus filhos estão desempregados. As tecnologias da informação possibilitam o teletrabalho, mas todos continuam a trabalhar nas empresas. A produção de ideias precisa de autonomia e de liberdade, mas as empresas tornam-se cada vez mais burocráticas. As distâncias culturais entre os chefes e os funcionários diminuem, mas as das faixas salariais aumentam. As empresas pregam colaboração, mas estimulam competitividade.
(*) este artigo foi publicado originalmente em 2013 por Dr. Eduardo Neri